
Combate contra o Mundo Moderno e as suas nuances
Numa era em que é prioritário ter o domínio sobre as tecnologias, em que dispomos de tudo ao nosso dispôr através de um toque num ecrã táctil, a bolha individualista cresce exponencialmente de dia para dia. Pior do que a ignorância, é o crescimento da comunidade consumista e comodista que se alimenta de likes e aprovação nas redes sociais, Contudo, existe quem ainda olhe para o mundo lá fora e queira fazer a diferença no mesmo. Não obstante, o desejo de rebentar a bolha encontra imensos obstáculos e todo este caminho é mais tortuoso que glorioso.
O combate deve ser feito diariamente, em torno daqueles que nos rodeiam. Temos e devemos começar localmente, no nosso seio familiar, nos nossos amigos. Tomemos por exemplo 1640. Uma data que a muitos pode não dizer nada mas tem uma mensagem importante e que não pode nunca ser descurada: a quantidade não é sinónimo de qualidade. 40 homens fizeram o impensável, o impossível. É isso que devemos ter em conta: o Inimigo não espera que lutemos e inclusive temos de os fazer pensar isso mesmo. Ou julgam mesmo que os espanhóis contavam que nós, sendo um povo pacífico até, fossemos acatar cegamente tudo e ficar na sombra do mesmo? Contavam porque os fizeram acreditar em tal. Muitas vezes é fulcral vestir o lobo em pele de cordeiro, tal como muitos de nós vemos isso acontecer diariamente e tendo perfeita noção de que é errado fazê-lo mas temos que combater fogo com fogo. De cada vez que se dá um passeio na Avenida da Liberdade em Lisboa e se olha para o monumento erguido em homenagem a uma das nossas milhentas gloriosas datas, creio que foi necessário em determinada altura, ser-se o cordeiro, sacrificando-se enquanto tal, de forma a atingir o bem comum. Não querendo com isto dizer que isto exija que nos tenhamos de vergar completamente ao Inimigo mas sim (numa perspectiva macroscópica) saber jogar como ele joga, estar sempre um passo à frente do mesmo e isso pode e deve ser feito por cada um dos novos combatentes. Nesse sacrifício não foco obviamente o físico ou ao da alma, refiro-me sim às horas dispendidas para aprender, ler, treinar e estimular o corpo e a mente. Ser aquilo que ambicionamos e exigimos a terceiros, caminhar pela estrada que queremos que os outros percorram connosco e não ser mais um que prega como se de uma vendedora no mercado se tratasse. Igualmente, este trabalho não é feito da noite para o dia pelo que terá invariavelmente que consumir tempo e energia de cada um que se proponha a crescer e a melhorar, permanecendo obviamente humilde na sua essência e nunca negando conhecimento que terceiros possam querer partilhar. Promover o debate saudável e conversas informais sobre determinados tópicos de forma positiva e enriquecedora é um passo igualmente importante. Não devemos cair em momento algum na tentação narcisista que teima em colocar-se à nossa frente apenas porque lemos ou ouvimos isto e aquilo.
Mais a mais, temos de ter em consideração não só os pontos acima referidos como os nossos valores, humildade, crescimento e desenvolvimento pessoal, mas também temos de ter em relevante importância a nossa “musa”. Tal como um artista, temos de ter algo que nos inspira, algo que nos lembra nos momentos difíceis o que nos leva a continuar. Sendo portugueses, fomos abençoados de musas até mais não, que estão por toda a parte. Estas musas podem ser os nossos monumentos, as nossas tradições regionais e/ou nacionais muitas delas sendo milenares, os nossos antepassados que nos deixaram um legado do qual devemos retirar o melhor e perpetuar o mesmo. Não obstante, poderemos ir buscar a nossa inspiração a coisas mais actuais e que nos rodeiem diariamente ou regularmente como a nossa família e amigos. O importante é fazer o Mundo girar na direcção oposta do actual Inimigo.
Focando as nuances, e de que até agora como se pode ver a energia dispensada para o combate cultural é e terá de ser sempre uma fonte quase inesgotável o essencial passa igualmente pelo seguinte: não estamos a fazer isto apenas para nós próprios. Porque tal como muitos, nós não estamos na linha da frente de combate para sermos vitoriosos de imediato pois o inimigo não irá permitir tal coisa. Estamos sim no fogo cruzado para podermos dar e garantir que exista ainda algo que no futuro possa ser aproveitado em grande maioria pelos nossos descendentes, por aqueles que um dia ocuparão o nosso lugar nas trincheiras desta exaustiva e incessante guerra mas também para que possamos ter um pequeno gosto daquilo com o que poderíamos ter crescido ao nosso redor. Ao mesmo tempo, quando esse dia chegar vamos saborear com uma intensidade tremenda uma das nossas pequenas vitórias em batalhas aqui e ali ao longo do nosso percurso e por fim, aquando da nossa despedida desta curta vida, poderemos colocar a arma no descanso nunca sem antes dar as munições necessárias aos praças que irão continuar por nós.
Em suma, um dos pontos chave passam pela resiliência e pela garantia de continuidade de que o trabalho é feito pois o mesmo nunca irá parar. Tal como é demonstrado ao longo dos quase 900 anos de história que tanto nos enche o peito, é sempre demonstrado o mesmo: uma inconformidade, um desejo ardente que almeja e cobiça incessantemente o perfeccionismo, uma ambição que não pode esmorecer e que tem de ser igualmente acompanhada de modéstia. Tudo isto, todo este combate contra o Mundo Moderno é na sua essência uma chama que arde no nosso peito, que tal como o fogo nos queima em certos dias e em outros nos mantém quentes, lúcidos e cientes de que existe imensos caminhos por trilhar em todo o nosso redor. Alguns consideram ingrato, outros irão fustigar-nos e julgar-nos mas jamais em tempo algum irão apagar a chama que nos ilumina o caminho sombrio que percorremos pois tal como um farol, a nossa luz irá sempre ser reflectida e atingir distâncias longínquas mostrando que viemos para ficar.
O guerreiro dos tempos contemporâneos tem, tal como Camões citou, segura “numa mão sempre uma espada e noutra a pena” e oscila entre ambas de forma sensata e perspicaz.